quarta-feira, 11 de março de 2015

Orco

Algo acontece lá fora
Quem vai lá espiar?
Ninguém sabe que estamos aqui
Ninguém vai nos incomodar
Mas nós estamos aqui,
Escondidos no centro (do nada)
Algo acontece lá fora
Mas nada acontece aqui dentro (cilada)
Quem irá fugir?
Quem irá lutar?
Quem irá embora?
Quem irá ficar?
Algo acontece lá fora
Quem vai lá espiar?
Algo acontece lá fora
Mas quem irá embora e quem irá ficar?

Cora Rufino 27/02/2003



Primeiro poema do primeiro blog que tive. Na época com uns 16 anos. 

quarta-feira, 4 de março de 2015

comprar cigarro


O aborto masculino se dá da seguinte forma: o homem se arruma, põe a melhor calça, pega o dinheiro que tem guardado e avisa:
-       vou ali comprar cigarro!
E nunca mais volta pra casa.

Houve um tempo em que o aborto masculino era proibido. Primeiro a namorada (ou esposa, ou amante, ou affair) chegava anunciando que estava grávida. A partir desse momento a vida do homem entrava em colapso.
-       Mas e meus planos? – ele dizia – com que dinheiro vamos criar? – se questionava – Mas... mas...
-       “Mas” uma ova! – vinha o juiz lá na janela – Deveria ter pensado nisso antes de fecundá-la!
-       A culpa é toda sua! Se tivesse segurado esse pinto dentro da calça não tinha esse problema – dizia a própria mãe do moço.
-       Mas não há como voltar no tempo! O acidente já aconteceu! - o homem dizia
-       Sinto muito - falava o patrão – mas ficar pagando salário pra você tirar Licença Paternidade sem produzir está fora de cogitação. É mais fácil lhe demitir.
-       Meu filho – dizia o padre – e olha que vc nem é casado.

Diante de tanto julgamento, o homem se desesperava e bradava:
-       Vou ali na esquina comprar um cigarro!
-       NÃO!! – gritaram todos da sociedade – você NÃO vai fugir da sua responsabilidade!
E acorrentaram o homem ao pé do berço. E olha que o feto nem estava desenvolvido ainda. Mesmo assim o acorrentaram e se foram. Deixando o homem pra trás.
De repente, apareceu alguém:
-       Psiu! – chamou o homem de branco na janela – eu posso quebrar a sua corrente. Quer?
-       Quero! Nem sei quem é você! Mas se me ajudar serei eternamente grato.
-       Ajudar? Bem... na verdade minha “ajuda” custa em torno de 4 mil reais. Tá a fim?
-       4 mil? Bem... eu tenho! Tava guardando para uma coisa importante mas... com essa corrente tá impossível fazer qualquer coisa... ok, pega aqui o dinheiro.
Então o homem de branco pegou um serrote e começou a serrar o metal. Porém, por descuido, acabou serrando o pé do homem junto.
-       Aaaai! O que você fez? Cortou meu pé fora!!
-       Não reclame! Pelo menos você está livre! Pode ir comprar o seu cigarro!
E o homem livre saiu da casa. Mas como estava sem um pé, teve que ir mancando até a tabacaria. Porém o sangramento não parava e a cada pulinho de um pé só, saía mais e mais sangue. Até que o homem morreu, tentando atravessar a rua.

O homem de branco se foi, com dinheiro no bolso e atrás de novas correntes pra serrar.

Foram tantas mortes, tantos homens mutilados e tantos homens de branco enriquecendo às custas do desespero alheio que resolveram dar um fim nisso.
Aboliram com as correntes. Deram aos homens a liberdade de irem comprar os seus cigarros e, de lá, seguirem com suas vidas. De maneira segura, sem julgamentos.